Mudanças no cérebro na gravidez
Foto: Freepik

Maio é o mês das homenagens às mães. Fotos, flores, almoços em família… Mas hoje, convido você a olhar para um lado menos visível da maternidade: o cérebro. Sim, o cérebro da mulher também gesta!

Enquanto todos observam a barriga crescendo, há um espetáculo silencioso acontecendo dentro da cabeça. Hormônios, conexões, estruturas cerebrais, tudo se reorganiza. Algumas áreas se expandem, outras se tornam mais ativas. A mulher se transforma por dentro, e não apenas emocionalmente.

LEIA TAMBÉM | Quando a tecnologia e a sustentabilidade na odontologia se encontram

Sou neurologista e, ao longo dos anos, vi como esse período potente da vida também pode trazer desafios: dores de cabeça intensas, alterações na visão, crises de epilepsia, formigamentos, esquecimentos, distúrbios do sono… Alguns sintomas são esperados. Outros, sinais de alerta. Saber reconhecer essa diferença pode proteger vidas — da mãe e do bebê.

Não é só o corpo que muda. O cérebro também

Durante a gravidez, ocorrem alterações hormonais intensas e o sistema nervoso central responde a elas. Estudos mostram que o cérebro da gestante a por mudanças estruturais e funcionais.

É como se ele “se adaptasse” para preparar a mulher para o cuidado com o bebê. Isso pode explicar, por exemplo, por que muitas mães se tornam mais sensíveis, intuitivas, e até com memória meio “embaçada” em alguns momentos. (Sim, o famoso “branco” de grávida tem base neurobiológica!)

Mas nem sempre essas mudanças são sutis ou esperadas. Em alguns casos, podem vir acompanhadas de sintomas que não devem ser ignorados.

Quando a dor de cabeça não é só “normal da gravidez”

Dores de cabeça são comuns na gestação, especialmente no primeiro trimestre, mas nem toda dor de cabeça é inofensiva. A gravidez aumenta o risco de condições mais graves como:

  • Pré-eclâmpsia e eclâmpsia, que podem causar dor de cabeça intensa, visão turva, confusão e até convulsões. São emergências médicas.
  • Trombose venosa cerebral, um tipo raro de AVC que ocorre com mais frequência em gestantes e puérperas, por causa da maior tendência à coagulação no sangue.
  • Enxaqueca, que em algumas mulheres melhora, mas em outras pode piorar durante a gravidez.

Por isso, dor de cabeça forte, súbita ou diferente do habitual deve sempre ser avaliada!

Formigamentos e dormências: é só postura ou algo mais?

Outro sintoma comum é o formigamento, principalmente nas mãos.

Muitas vezes é causado pela síndrome do túnel do carpo, que pode surgir ou piorar na gestação por retenção de líquidos. Mas há também doenças autoimunes, como a esclerose múltipla, que podem ter início nesse período ou até darem uma trégua, para depois voltarem com mais força no pós-parto.

Crises epilépticas e gestação: dá pra conciliar?

Sim! Mulheres com epilepsia podem engravidar com segurança, desde que façam um acompanhamento rigoroso.

Alguns anticonvulsivantes precisam ser ajustados, já que podem ter efeitos no bebê. Mas o maior risco é a crise sem controle, que pode prejudicar mãe e feto. Com neurologista e obstetra trabalhando juntos, dá para ar por tudo com segurança.

A gestação pode “ativar” doenças neurológicas?

Pode. Algumas doenças têm maior chance de surgir nesse período:

  • Síndrome de Guillain-Barré, um distúrbio autoimune que causa fraqueza muscular progressiva.
  • Esclerose múltipla, como citado, que pode se manifestar ou mudar seu padrão de atividade.
  • AVC, especialmente no final da gestação e no puerpério.

Por isso, é essencial prestar atenção a sinais como fraqueza súbita, alteração na fala, visão dupla ou perda de sensibilidade.

E depois que o bebê nasce?

O pós-parto é outro momento delicado. Além das oscilações hormonais e da privação de sono, o risco de eventos como trombose ou crise convulsiva pode aumentar, principalmente nas primeiras seis semanas.

O que quero dizer com tudo isso?

Que ser mãe é grande demais pra romantizar. É transformação física, emocional e neurológica. E é justamente por ser tão grande que precisa ser olhada com seriedade e afeto.

Nesse mês das mães, meu convite é: olhe para dentro! Perceba os sinais do seu corpo, da sua mente, do seu tempo. E se algo parecer fora do lugar, não hesite em procurar ajuda. Cuidar de você também é um ato de amor, talvez o primeiro, o mais bonito, o mais necessário.

Dra. Camila Resende

Colunista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende