
A Ação Penal 623, resultante da Operação Naufrágio – investigação que revelou o maior escândalo de corrupção no Judiciário do Espírito Santo em 2008 –, começou a ser julgada na manhã desta quarta-feira (21) pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Ao todo são 15 réus acusados de participação em esquemas de venda de sentenças no Tribunal de Justiça do Estado (TJES), loteamento de cartórios extrajudiciais e interferência em concursos públicos.
A partir das apurações feitas pela Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou, em 2010, 26 pessoas pela prática de crimes contra a istração pública – corrupção ativa e iva – envolvendo desembargadores, servidores e juízes do TJES, pessoas favorecidas pelas decisões e seus advogados.
O presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, lembrou que alguns dos crimes prescrevem em novembro deste ano. Até agora, seis denunciados já tiveram as penas prescritas.
Outras cinco pessoas já morreram antes do julgamento, entre eles o presidente do TJES à época dos fatos, Frederico Guilherme Pimentel.
A denúncia do MPF
O julgamento começou com a manifestação da subprocuradora-geral da República Luíza Cristina Frischeisen. Ela explicou que inicialmente foram 14 crimes denunciados, dos quais cinco foram recebidos pelo STJ.
Conforme o MPF, os cinco eventos são os seguintes:
1. Oferta de vantagens indevidas
Segundo a denúncia, os empresários Pedro Scopel e Adriano Mariano Scopel, pai e filho, pagaram para que Frederico Luis Schaider Pimentel (Fred), filho do presidente do TJES à época, e Paulo Guerra Duque, filho de Elpídio José Duque – desembargador já falecido também denunciado pelo MPF –, redirecionassem um processo de seu interesse “para que as decisões fossem dadas, pelos corrompidos (desembargadores), a favor dos corruptores (Scopel)”.
Os empresários também teriam contado com o auxílio de Bárbara Pignaton Sarcinelli, ex-diretora encarregada da distribuição de processos do TJES e irmã da juíza Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel, esposa de Fred.
Tanto Duque quanto Fred serviram de “intermediários” para o recebimento das vantagens, conforme a subprocuradora.
“O caso trata de uma disputa de domínio empresarial do Terminal Portuário Peiú”, do Porto de Vitória, explicou Frischeisen. Os empresários são acusados de comprar uma decisão de Elpídio para manter o controle sobre o complexo – “o que aconteceu”, pontua a subprocuradora.
2. Implantação de cartórios extrajudiciais em Cariacica
Neste segundo evento apresentado são citados a juíza Larissa Pignaton Sarcinelli Pimentel e o marido Fred; Larissa, Roberta e Dione Schaider Pimentel, também filhas do presidente do TJES; Henrique Rocha Martins Arruda, advogado e marido de Dione; Leandro Sá Fortes, ex-assessor especial do presidente Frederico Pimentel e ex-namorado de Roberta; Bárbara Pignaton Sarcinelli; e Felipe Sardenberg Machado, advogado.
Felipe (acusado de corrupção ativa) teria oferecido vantagem ao presidente do TJES no contexto da implantação do cartório de Cariacica. Em troca de ser o titular da serventia, ele rearia parte da receita do cartório à família Pimentel.
Frederico Pimentel, então, afirma a denúncia, “instalou de maneira viciada uma serventia extrajudicial na comarca de Cariacica”.
Para isso, segundo a subprocuradora, o desembargador invocou uma lei complementar estadual para atribuir a ele a competência de designar substituto responsável pela serventia até a realização de concurso público e nomear pessoas próximas e de confiança da sua família para cargos.
Enquanto Felipe era titular no cartório, “inúmeras fraudes foram cometidas”, afirmou Frischeisen. “Leandro Sá Fortes, por exemplo, entrou com documentos relacionados à instalação de cartório para beneficiar Felipe para que ele reasse parte da receita à família”.
O MPF também sustenta que há provas de que a família do desembargador teve crescimento expressivo do patrimônio durante este período.
“Leandro também adquiriu apartamentos e veículos importados para ele e a namorada à época. Henrique e Dione fizeram movimentações atípicas na conta conjunta”, disse a subprocuradora, argumentando que houve uma “evolução patrimonial ilícita” com o cartório.
De acordo com Frischeisen, “Felipe disse que foi laranja e aceitou a situação para que pudesse exercer a função no cartório”. Esta alegação foi confrontada pela defesa (Veja a seguir).
3. Decisões judiciais em benefício do ex-prefeito de Pedro Canário
O terceiro eixo trata de uma decisão judicial a favor do ex-prefeito de Pedro Canário, Francisco José Prates de Matos, o doutor Chicô. O mandatário havia sido afastado do cargo em 2007 sob acusação de fraudes em licitações.
Para reverter a decisão e reconduzir Chicô ao cargo, alega o MPF, os advogados Paulo Guerra Duque e Jonhny Estefano Ramos Lievori ofereceram vantagem indevida ao desembargador Josenider Varejão Tavares (já falecido), que concedeu a liminar e devolveu o comando da cidade ao prefeito afastado.
Segundo a Polícia Federal, a propina – de R$ 43 mil – seria paga a partir de desvios de recursos públicos.
4. Honorários advocatícios da Stone Mineração
Este evento trata do episódio em que a empresa Stone Mineração, condenada em honorários em favor do advogado Pedro Celso Pereira (falecido), questionou a decisão proferida pelo então juiz da 6ª Vara Cível de Vitória, Robson Luiz Albanez – réu e atual desembargador do TJES.
Com o caso chegando no TJES, o advogado – para não perder os honorários – teria contado com o apoio de Paulo Guerra Duque e do desembargador Josenider Varejão Tavares para exercer influência sobre o relator do caso, o desembargador já falecido Elpídio José Duque.
Neste caso também é relacionada Bárbara Sarcinelli, que teria manipulado a distribuição do processo para que ele fosse julgado por Elpídio.
O advogado Gilson Letaif Mansur Filho, também réu no STJ, atuou no caso como advogado de Pedro Celso e auxiliou na obtenção da decisão favorável.
5. Bloqueio da Viação Serrana
O último evento denunciado e aceito pelo STJ diz respeito ao bloqueio de mais de R$ 1 milhão da empresa Viação Serrana pelo então juiz Robson Albanez.
Após recurso da empresa, o caso foi distribuído para a 3ª Câmara Cível, integrada pelos desembargadores Josenider Varejão Tavares e Alinaldo Faria de Souza, relator.
Gilson Letaif Mansur Filho, advogado que queria manter a penhora em favor de sua cliente, era amigo de Pedro Celso Pereira, pessoa íntima de Josenider. A pedido deste, Alinaldo reformou sua decisão que suspendia o bloqueio determinado por Albanez, favorecendo o advogado.
Gilson também contou com uma decisão favorável – relacionada aos juros sobre a quantia – de Albanez.
O então juiz prometeu beneficiar o advogado em troca da influência dele sobre os membros do TJES. O objetivo de Albanez era conseguir apoio para ser escolhido como desembargador da corte, o que aconteceu em 2014.
Defesa dos réus da Operação Naufrágio
Até as 18h, foram ouvidas as defesas de 11 dos 15 réus, sendo, pela ordem:
- Jonhny Estefano Ramos Lievori;
- Larissa Pignaton Pimentel;
- Larissa Schaider Pimentel Cortes;
- Felipe Sardenberg Machado;
- Pedro Scopel;
- Adriano Mariano Scopel;
- Bárbara Pignaton Sarcinelli;
- Dione Schaider Pimentel Arruda;
- Henrique Rocha Martins Arruda;
- Frederico Luís Schaider Pimentel;
- Gilson Letaif Mansur Filho.