Política

Decreto que cria função de auditoria na Fazenda é alvo de críticas de auditores

Decreto 6.005-R atribui a uma subgerência da Sefaz a função de auditar programas executados, por exemplo, com recursos do Fundo Soberano

Decreto que cria função de auditoria na Fazenda é alvo de críticas de auditores Decreto que cria função de auditoria na Fazenda é alvo de críticas de auditores Decreto que cria função de auditoria na Fazenda é alvo de críticas de auditores Decreto que cria função de auditoria na Fazenda é alvo de críticas de auditores
Palácio Anchieta
Palácio Anchieta

Um decreto publicado pelo governo do Estado, que modifica a estrutura da Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz), virou alvo de polêmicas na gestão e colocou consultores do Tesouro (servidores da Sefaz) e auditores do Estado (servidores da Secretaria de Estado de Controle e Transparência – Secont) em lados opostos.

Trata-se do decreto 6.005-R, publicado no Diário Oficial do Espírito Santo do dia 8 de abril deste ano. Entre outras coisas, o decreto incorpora à Sefaz a atribuição de auditoria interna.

O decreto pegou os auditores de surpresa. Nesta segunda-feira (02), a Associação dos Auditores do Estado do Espírito Santo (Assaes) e a Federação Nacional dos Auditores de Controle Interno dos Órgãos de Controle Interno Público (Fenaud) publicaram uma nota expressando “profunda preocupação” com o decreto, chamado pelas instituições de “flagrante ilegalidade” e “retrocesso”.

A nota foi assinada no dia 10 de abril, dois dias após a publicação do decreto, e vinha sendo tratada internamente, entre os representantes dos auditores e o governo. Porém, a decisão foi de publicar a nota já que o ime, até então, não foi resolvido.

“Causa estranheza, portanto, o teor do Decreto nº 6.005-R, que, ao modificar a estrutura da Secretaria da Fazenda, atribuiu a este órgão competências de auditoria governamental, invadindo prerrogativas que são legalmente dos auditores do Estado lotados na Secont. A realização de auditoria interna governamental é tarefa exclusiva dos auditores do Estado. Qualquer norma, como o decreto em questão, que contrarie essa determinação legal, incorre em flagrante ilegalidade e representa um retrocesso para o sistema de controle interno capixaba”, diz trecho da nota.

O documento diz que o decreto afronta os artigos 70 e 74 da Constituição Federal e 70 e 76 da Constituição Estadual, e que viola o princípio da “segregação de funções”.

“Ressalta-se ainda a violação ao princípio da segregação de funções, pois, ao possibilitar que a Secretaria da Fazenda execute auditorias de cunho governamental, o decreto permite que o órgão responsável pela gestão, fiscalização, arrecadação e execução financeira audite os próprios programas que implementa. Essa sobreposição elimina a independência essencial ao processo de auditoria, comprometendo a objetividade e a imparcialidade das avaliações”, diz a nota.

A Assaes e a Fenaud também fizeram um alerta para o risco de “enfraquecimento das funções do auditor do Estado” e diz que a mudança pode trazer ameaças:

“Alertamos, portanto, que o decreto em tela poderá resultar no enfraquecimento das funções do auditor do Estado, carreira legitimamente designada para as atividades de auditoria e fiscalização, ao mesmo tempo que usurpa as competências do órgão central de controle interno. Essa mudança ameaça a autonomia e a isenção das auditorias governamentais, fragilizando os mecanismos de controle e, por extensão, a transparência e a gestão adequada dos recursos públicos estaduais”.

As duas instituições encerram a nota cobrando investimento na carreira de auditor:

“Atualmente, a Secretaria opera com um quadro exíguo de pessoal, com apenas 79 auditores do Estado para fiscalizar um orçamento previsto de R$ 29,5 bilhões em 2025. Reafirmamos, por fim, o papel crucial dos auditores do Estado na promoção da legalidade, eficiência e efetividade da istração pública no Espírito Santo e requeremos que o governo estadual reconsidere decisão formalizada pelo Decreto Estadual nº 6.005-R”.

O que diz o decreto

O decreto 6.005-R altera, em 18 artigos, a estrutura organizacional da Sefaz, sem elevar despesas. Cria subgerências, muda o nome de outras e altera algumas competências.

O inciso II do 2º artigo do decreto diz o seguinte: “a Subgerência de Gestão do Fundo Soberano (Sugef) fica transformada em Subgerência de Auditoria e Compliance (Suauc), subordinada hierarquicamente à Gerência de Fundos e Análise Econômico-Financeira de Projetos (Gefap), da Subsecretaria do Tesouro Estadual (Subset)”.

A Subsecretaria do Tesouro é ocupada por consultores do Tesouro, que são servidores efetivos da pasta. Inclusive um consultor ocupará o cargo de subgerente da Suauc.

Já no artigo 5º do decreto, que trata das competências da Subgerência de Auditoria e Compliance, o inciso III diz que, entre outras coisas, a Suauc deve “realizar procedimentos de auditoria, destacando as conformidades e não conformidades, conclusões e recomendações dos fundos públicos vinculados ao Tesouro Estadual”.

Já no inciso V do mesmo artigo, diz que também cabe à subgerência: “planejar, coordenar, controlar e executar as atividades ligadas à gestão orçamentária, istrativa e financeira dos fundos públicos vinculados ao Tesouro Estadual”.

E no inciso XVI diz que compete à Suauc “controlar e auditar as informações fiscais relativas aos fundos públicos vinculados ao Tesouro Estadual”.

Outro ponto importante é que o alvo da atuação da subgerência são os recursos dos fundos públicos, inclusive o do Fundo Soberano – cujo saldo é de R$ 2,03 bilhões, segundo dados da Sefaz atualizados na segunda-feira (02). A principal polêmica, alegada pelos representantes dos auditores, é que a Sefaz não poderia executar e auditar tais recursos ao mesmo tempo.

O outro lado

A coluna entrou em contato com a Sefaz para se manifestar sobre o decreto. A Sefaz indicou a Associação dos Consultores do Tesouro Estadual (Acees) para responder.

Em nota, a associação informou que o decreto “não representa qualquer usurpação de competências nem prejuízo às atribuições do órgão central do sistema de controle interno estadual (Secont), tampouco da carreira de auditor do Estado. Ao contrário, a medida fortalece os controles internos da Sefaz, sem gerar qualquer tipo de conflito institucional”.

A Acees refutou que a auditoria a ser realizada pela Sefaz seja a governamental. “Importa destacar que, nos termos da Lei Complementar Estadual nº 225/2022, compete à Sefaz a realização de auditoria contábil-financeira, para fins de cumprimento das finalidades do sistema fazendário”.

“Em resumo, a natureza das auditorias exercidas pela Sefaz/ES são as fiscais-tributárias e as financeiras-contábeis para o cumprimento das finalidades do sistema fazendário, não tendo ambas natureza de auditoria executada no âmbito de Terceira Linha de Defesa (exclusiva da Secont)”, diz outro trecho da nota.

A associação cita também que outras pastas também realizam auditoria interna, como a Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente, por exemplo. E que a atuação será “complementar, técnica e restrita à execução das funções que a própria Sefaz desempenha diretamente, em especial no que diz respeito à gestão financeira e contábil do Estado”.

A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) foi procurada pela coluna, mas informou que não foi demandada por nenhum órgão do governo sobre o decreto e que não iria se manifestar a respeito.

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Fabiana Tostes

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.

Jornalista graduada pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e acompanha os bastidores da política capixaba desde 2011.