Entretenimento e Cultura

Associação que obteve liminar contra Porta dos Fundos pede indenização milionária

O pagamento, segundo a entidade de "caráter pedagógico", seria feito no fim da disputa na Justiça

Associação que obteve liminar contra Porta dos Fundos pede indenização milionária Associação que obteve liminar contra Porta dos Fundos pede indenização milionária Associação que obteve liminar contra Porta dos Fundos pede indenização milionária Associação que obteve liminar contra Porta dos Fundos pede indenização milionária
Foto: Reprodução / Instagram

A Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, autora da ação que resultou na liminar determinando a retirada do ar do especial de Natal do Porta dos Fundos, exibido pela Netflix, também cobra no processo o pagamento de indenização financeira por dano moral. A entidade pede ressarcimento equivalente à soma dos faturamentos obtidos com o programa pelas empresas rés.

O montante seria “acrescido de valor não inferior a R$ 2 milhões, correspondentes a aproximadamente dois centavos por brasileiro que professa a fé católica”. O pagamento, segundo a entidade de “caráter pedagógico”, seria feito no fim da disputa na Justiça. A decisão judicial é liminar e veda a exibição do vídeo em qualquer plataforma.

Em suas alegações no processo, o Centro Dom Bosco argumenta que “a honra e a dignidade de milhões de católicos foi gravemente vilipendiada pelos réus”. Na produção, diz o autor, “Jesus é retratado como um homossexual pueril, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído”.

Até o início da tarde desta quinta-feira, 9, as duas empresas não tinham sido intimadas a cumprir a decisão. Sua violação pode obrigá-las a pagar multa de R$ 150 mil por dia de exibição do vídeo.

A ação civil pública foi ajuizada em dezembro. Na primeira instância, o pedido para que o vídeo fosse retirado do ar foi negado. “Não constatei a ocorrência de qualquer ilícito (…). Também não verifiquei violação aos direitos humanos, incitação ao ódio, à discriminação e ao racismo, sendo que o filme também não viola o direito de liberdade de crença, de forma a justificar a censura pretendida”, escreveu, em 19 de dezembro, a juíza Adriana Jara Moura, da 16ª Vara Cível.

Ao examinar recurso na segunda instância, porém, o desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, acatou na íntegra o pedido de liminar da associação.

Ele considerou em sua decisão que a agravada (Porta dos Fundos) “não foi centrada e comedida ao se manifestar nas redes sociais, pois poderia justificar sua ‘obra’ através de dados técnicos e não agindo com agressividade e deboche”. E conclui afirmando que lhe “aparenta mais adequado e benéfico não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, (motivo) pelo que” concedeu a liminar.

Abicair determinou a “imediata suspensão da exibição do Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, assim como trailers, making of, propagandas, ou qualquer alusão publicitária ao referido filme”. O magistrado ordenou ainda que “o primeiro réu (Porta dos Fundos) se abstenha de autorizar a sua exibição e/ou divulgação por qualquer outro meio, assim como de trailers, propagandas, ou qualquer alusão publicitária ao mesmo filme”.

Censura

Um dos advogados que defendem a Associação Centro Dom Bosco De Fé e Cultura, responsável pela ação civil pública contra o especial de Natal do Porta dos Fundos, afirmou que a medida não é um ato de censura – ainda que a intenção seja tirar totalmente o vídeo de circulação.

“Não concordo (com o termo ‘censura’) porque tem hoje uma alta carga de ambiguidade, que dá ensejo a mal-entendidos. A censura que é praticada por regimes de força e que inspira justo receio na sociedade, inclusive no Judiciário, é a censura prévia, aquela que é praticada quando a obra está ainda no prelo, é inédita, impedindo o seu conhecimento pela sociedade”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o advogado Leonardo Camanho Camargo.

“Todavia, quando a obra já veio a público, caso se constate que ela propaga o ódio a grupos (por exemplo, discursos racistas, ultraje a valores religiosos), que ela agride e ofende abertamente comunidades ou indivíduos, constatando-se o ilícito, o abuso do direito de expressão, a lei prevê a proibição da circulação do conteúdo, exatamente para evitar a perpetuação e o agravamento indefinido do dano. Esse conceito é tranquilo e se harmoniza com o sentimento jurídico do STF, para o qual a liberdade de expressão não é um direito absoluto, e das Cortes Internacionais de Justiça.”

A reportagem procurou a Netflix, que ainda não se manifestou. A Porta dos Fundos, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não foi notificada. A defesa da produtora ainda não se pronunciou. O desembargador Abicair foi procurado, mas assessores informaram que ele não dá entrevistas.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu nota. No texto, deplora a decisão judicial, lembra que a Constituição “impede a censura” e afirma o “caráter laico do Estado”.