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Enem: estudante do ES descobre que prova em Libras teve questões diferentes do caderno geral

Segundo a aluna, que fez a prova pela primeira vez, as questões divergentes abordaram temas polêmicos e ideológicos, como machismo e feminismo

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Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) geralmente é dividida em seis cadernos, de cores diferentes — azul, branca, rosa, amarela, laranja e verde. Porém, as questões são as mesmas em todas as versões. A diferença é a ordem em que elas são colocadas — justamente para evitar que haja cola entre os candidatos e outros tipos de fraude.

Entretanto, no exame deste ano, aplicado no primeiro dia de provas, no último domingo (21), o caderno verde, direcionado aos estudantes com deficiência auditiva, continha cinco questões que não estavam nas demais versões. 

As questões que só apareceram nesta prova verde abordam assuntos de caráter ideológico e sensíveis ao atual governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como igualdade racial, o papel da mulher na sociedade e queda do patriarcado.

A descoberta foi feita pela estudante da escola Monteiro, Mariana Chagas Barbosa Rezende, 17 anos, de Vitória. Ele fez o Enem pela primeira vez, como treineira, e alertou seus professores. 

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

“No dia seguinte da prova, eu procurei na internet algum gabarito extraoficial, mas só encontrei dos outros cadernos. Aí encontrei em um site um caderno escaneado. Então, eu fui corrigindo questão por questão e vi que cinco questões da minha prova estavam diferentes. Quando cheguei em casa, confirmei com o caderno em mãos”, disse.

Ao perceber a divergência, a estudante entrou em contato com um professor. “Eu contatei o professor Paulo Vitor Scherrer, que eu sabia que tinha muito conhecimento sobre isso, e ele concordou com o meu estranhamento. Ele também me aconselhou a procurar a mídia, pois conseguir alguma resposta diretamente do Inep ou do Minstério da Educação seria muito difícil. Meus pais também me aconselharam a fazer a mesma coisa”, contou.

Mariana também registrou, formalmente, uma queixa ao Inep, por e-mail. No relato enviado à instituição, ela descreveu o fato e como foi observado. Segundo ela, também contatou o instituto por telefone e falou com uma atendente, que disse ser normal a mudança de questões entre provas.

Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

“Achei muito estranho. Isso nunca tinha acontecido na prova de Linguagens. As questões da minha prova pareciam até mais complexas para justificar uma mudança para a adaptação em Libras. As questões também têm um teor ‘ideológico’, como o governo Bolsonaro gosta de caracterizar. Creio que essas sejam algumas das questões que pediram que fossem retiradas. Acho que o principal problema de tudo isso é a quebra de confiança que causa entre os estudantes e o Inep. Não tem mais como saber se existe uma responsabilidade e uma segurança adequadas para a avaliação”, avalia.

Agora, a estudante teme que sua nota na prova possa ser prejudicada.

“À princípio, achei que não prejudicaria a minha nota, até porque questões diferentes podem ser usadas para o mesmo Enem, como a replicação para PPL (pessoas privadas de liberdade). Mas um professor meu me avisou que as questões aparentam ser mais difíceis e podem vir a prejudicar uma TRI (Teoria de Resposta ao Item) adequada”, disse Mariana.

Inep alega adequação para o público

Por meio de nota, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela aplicação do Enem, alegou que alguns itens utilizados para elaboração das provas regulares podem não ser adequados para o público com deficiência (veja a nota na integra no final da reportagem). 

No entanto, todas as questões, em todas as versões da prova, mesmo as em libras, são em geral de interpretação de texto, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. 

O Inep disse ainda que a Teoria de Resposta ao Item (TRI), utilizada para a elaboração do exame e para o cálculo das proficiências dos candidatos, permite a troca de itens sem que as provas percam a comparabilidade entre si, pois as questões são substituídas por outras com o mesmo grau de dificuldade.

Professor acredita que prova foi alterada

Entretanto, o professor e diretor da Gama Pré-vestibular, Paulo Victor Scherrer, acredita que essas questões diferentes, encontradas no caderno verde, podem indicar que o Inep havia elaborado uma primeira versão da prova que, por algum motivo, foi alterada.

Ele ressalta ainda que, dessas cincos questões encontradas apenas no caderno verde, quatro abordam assuntos de caráter ideológico e sensíveis ao atual governo, como igualdade racial, papel da mulher na sociedade e queda do patriarcado. A outra questão, segundo o professor, pode ter sido suprimida dos outros cadernos por motivos técnicos, por não estar perfeitamente legível.

“Como as provas para deficientes auditivos são aplicadas para pouquíssimos alunos, creio que possam ter esquecido de alterá-las. Das cinco questões diferentes das demais provas, quatro se enquadram em conteúdos que, teoricamente, o governo se opõe”, ressaltou o diretor da Gama Pré-vestibular, que neste ano, em parceria com o Folha Vitória, preparou uma série de lives e materiais com listas de exercícios, para ajudar os estudantes a se prepararem para o Enem. 

Questão prova Enem
Reprodução
Questão prova Enem
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Questão prova Enem
Reprodução
Questão prova Enem
Reprodução
Questão prova Enem
Reprodução

Paulo Victor conta que identificou a diferença entre as provas a partir de uma questão trazida pela aluna deficiente auditiva, que notou que a prova dela tinha questões diferentes das demais.

Ele explica, no entanto, que o fato não justificaria um possível recurso, pedindo a anulação do exame, por exemplo, uma vez que não há nenhum dispositivo legal que impede o Inep de colocar questões diferentes nos cadernos. 

“O critério de correção do Enem leva em consideração o nível de dificuldade das questões. Para cada tipo de questão, é atribuído um peso diferente. Então, o simples fato de ter questões diferentes não inviabiliza o exame, uma vez que elas podem ser enquadradas no mesmo nível de dificuldade”, explicou.

Professora analisa questões diferentes encontradas em caderno verde do Enem

A reportagem do Folha Vitória entrou em contato com a professora de língua portuguesa e redação Monica Regina Souza, para saber a opinião dela sobre essa diferença do caderno verde para os demais.

Monica Regina, que já trabalhou na aplicação do Enem, disse que nunca viu algo do tipo e que geralmente as provas são adaptadas para outras situações.

“Não faz nenhum sentido você pensar que, segundo eles, as questões das provas regulares podem ser substituídas caso algum item não seja adequado para o público. O que não seria adequado? Não consigo entender. Nunca vi isso na vida. Algum item não ser adequado? Ah, então eu não vou questionar o público com necessidades especiais, não vou tratar desse assunto. Que assunto? Necessidades especiais, por que não? ibilidade, por que não">Enem: estudantes com covid-19 podem pedir reaplicação da prova